Fornecimento de medicamento de alto custo: Tribunal de Justiça de São Paulo obrigou a operadora de plano de saúde Amil Assistência Médica Internacional S/A a fornecer o medicamento para portadores de doença genética.
Analisando o caso de negativa indevida de medicamento de alto custo, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, de relatoria do Desembargador JOÃO PAZINE NETO, ponderou que a lei 14.454/2022 retirou a taxatividade do ROL da ANS e o relatório médico apontou que para tratamento da enfermidade não existe substituto terapêutico.
PARA QUE SERVE O EVRYSDI (RISDIPLAM)
EVRYSDI, conhecido pelo nome genérico RISDIPLAM, é um medicamento oral usado para tratar a atrofia muscular espinhal (AME), uma doença genética que provoca fraqueza e atrofia muscular. É indicado para pacientes com AME tipo 1, 2 ou 3 e funciona ajudando o corpo a produzir mais proteína SMN, o que pode melhorar a força e função muscular.
A atrofia muscular espinhal (AME) é um conjunto de patologias que se manifestam pela deterioração contínua dos neurônios motores situados na parte frontal da medula espinhal e nos centros dos nervos cranianos. A variante mais frequente da AME, presente em mais de 95% dos pacientes, é provocada por alterações no gene SMN1 (neurônio motor de sobrevivência 1), que é responsável pela produção da proteína SMN e se encontra no cromossomo 5q131 (A). Esta diretriz focará nessa versão da AME associada ao 5q.
A enfermidade é categorizada de acordo com a severidade e o momento de início dos sintomas em no mínimo quatro subtipos principais: tipo I, conhecido como doença de Werdnig-Hoffman, tipo II (forma intermediária), tipo III (doença de Kugelberg-Welander) e tipo IV (versão adulta)2,3 (A).
A AME é considerada a segunda condição autossômica recessiva mais frequente após a fibrose cística, com uma incidência aproximada de 1 em cada 10.000 nascidos.
ENTENDA O CASO
Duas pacientes, irmãs gêmeas, beneficiárias do plano de saúde da Amil Assistência Médica Internacional foram diagnosticas com Atrofia Muscular Espinhal e o médico que acompanha as pacientes prescreveu EVRYSDI (RISDIPLAM). No entanto, o medicamento, de custo bastante elevado, foi negado pela operadora de plano de saúde, sob o argumento que o medicamento não deveria ser fornecido porque trata-se de medicamento para tratamento domiciliar.
Diante dessa negativa indevida, as pacientes ingressaram com um processo judicial para contestar a atitude abusiva da operadora.
COMO O JUDICIÁRIO ENTENDEU SOBRE O CASO
Em primeira instância, o juiz responsável pelo processo, destacou de forma brilhante que o medicamento deve ser fornecido, assim decidindo:
“O relatório médico descreve adequadamente a enfermidade das autoras, doença genética e progressiva que acomete gravemente as funções musculares, notadamente a mobilidade dos membros, fala, deglutição e principalmente a respiração e capacidade de tossir, resultando na incapacidade de eliminação de secreções, com possíveis complicações pulmonares.
O tratamento de ambas as autoras, ainda que ministrado em domicílio, é contínuo e essencial à prevenção da progressão da doença, sendo necessária a utilização de ventiladores para garantir a respiração no período noturno e apoio para a deambulação, como evidenciado nas imagens juntadas aos autos.
Não se mostra razoável a aplicação literal do art. 10, VI, da Lei nº 9.656/98, para elidir a obrigação da ré, sobretudo porque o medicamento Ridisplam foi receitado em decorrência da contraindicação clínica do anteriormente administrado às autoras (Spinraza), o qual deixou de propiciar melhoras significativas (p. 04) e cujo modo de administração seria coberto pelo plano de saúde. A aplicação irrestrita do referido dispositivo legal obstaria o acesso de beneficiários de plano de saúde a tratamentos essenciais obtidos com os avanços da medicina e recomendados por médicos especialistas e tornaria o contrato inócuo aos fins a que se destina, frustrando a expectativa das pessoas que contratam plano ou seguro-saúde, cujo propósito reside no real desejo de fruição de assistência médica que as amparem na proteção da vida e da saúde.”
A operadora Amil recorreu da decisão e o Tribunal rechaçou os argumentos do juiz, negando provimento ao recurso, assim ponderando:
“Ressalte-se que a responsabilidade na escolha do tratamento adequado ao paciente é única e exclusiva do médico que o acompanha, aqui incluída a questão relativa à escolha do medicamento. No presente caso, inclusive, à luz do relatório acima citado, infere-se que o tratamento é o indicado para o caso das Autoras.
A controvérsia aqui de relevância reside na obrigatoriedade da Operadora de custear medicamento cuja utilização é de âmbito domiciliar. No entanto, cumpre observar que, em 13/10/2020, a ANVISA aprovou o medicamento no Brasil, bem como referido medicamento foi objeto de avaliação pela CONITEC, em 2022, e, em 11/03/2022, pela Portaria SCTIE/MS nº19, o medicamento foi incorporado para o tratamento da AME para o tipo 1 da doença, bem como em razão da ausência de substituto terapêutico.
(…)
Observo que o medicamento Risdiplam fora prescrito pela neuropediatra das Autoras, como único medicamento oral existente para a Atrofia Muscula Espinhal, que é capaz de produzir 100% da proteína faltante em seus organismos. A ANVISA registrou, em outubro de 2020, o medicamento para portadores de AME, o que demonstra sua eficácia e segurança, com o que deixou de ser experimental, em território nacional.
(…)
Importante ainda assinalar que o medicamente reclamado, embora não se enquadre na classe dos antineoplásicos (art. 10, II, ‘g’, e IV, da Lei 9.656/98), há comprovação de eficácia para o tratamento da moléstia que acomete as pacientes, uma vez que a Nota Técnica nº 1283/2022- NAT-JUS/SP concluiu que o medicamento Risdiplam traz maior funcionalidade, menos fadiga, estagnação e risco de perdas, destacando que se trata de “medicação já aprovada pelo Conitec para a patologia em questão”.
SAIBA O QUE FAZER DIANTE DA NEGATIVA ABUSIVA DO PLANO DE SAÚDE
Caso seu médico prescrever medicamento e ele for negado pelo plano de saúde, certifique-se com seu médico se a prescrição está respaldada em estudos científicos e, se for o caso, exerça o seu direito para obter o melhor tratamento possível. Não importa o custo do medicamento, sua saúde em primeiro lugar.
Assim, se você receber uma negativa do seu plano de saúde em fornecer medicamento prescrito, siga estas etapas para proteger seus direitos:
- Registre a negativa: Faça contato com a operadora do plano de saúde e anote todos os protocolos de atendimentos. Peça para que expliquem detalhadamente o motivo da recusa.
- Documente todos os contatos realizados: Registre datas, horários e nomes dos atendentes com quem você conversou.
- Grave as conversas telefônicas: Se possível, use outro aparelho celular ou gravador para gravar a conversa do início ao fim.
- Reúna o máximo de provas: Colete os documentos relacionados à negativa e todos os que comprovem a necessidade de cobertura, como relatórios médicos, exames e laudos.
- Reclame na ANS: Se a operadora não resolver o problema e não for caso de urgência, faça uma reclamação formal na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
- Consulte um advogado: Caso a situação persista, procure um advogado especializado em ações contra plano de saúde para ingressar com uma ação judicial.
DOCUMENTOS NECESSÁRIOS PARA PROPOR UMA AÇÃO JUDICIAL CONTRA O PLANO DE SAÚDE
Caso você receba uma negativa de medicamento do plano, é possível obter a autorização imediata do tratamento médico pelo plano de saúde por meio de uma liminar. Desse modo, por intermédio de uma ação judicial com pedido de liminar, o plano de saúde pode ser obrigado a autorizar a realização de exames e cirurgias, custear medicamentos ou procedimentos solicitados pelo beneficiário.
O primeiro passo para ingressar com uma ação judicial contra o plano de saúde é reunir os documentos necessários para expor e comprovar os fatos perante o Poder Judiciário. Nesse caso, reúna os seguintes documentos:
- Relatório médico detalhado, laudos médicos e exames: Esses documentos justificam a necessidade do tratamento prescrito.
- Comprovação da recusa do plano de saúde: Protocolos de ligações; Troca de e-mails; Cartas; Negativa por escrito (se tiver); Gravação das conversas (se tiver).
- Documentos pessoais: Carteirinha do plano de saúde, RG, CPF e Comprovante de endereço
- Contrato do plano de saúde: Tenha uma cópia do contrato à disposição.
- Comprovantes de pagamento: Os três últimos comprovantes de pagamento das mensalidades.
Lembre-se de manter esses documentos organizados e acessíveis para facilitar e agilizar o processo. Destacamos aqui a importância do relatório médico, um documento detalhado em que o médico descreve o quadro clínico do paciente. O relatório médico deve justificar claramente a importância e a urgência do tratamento, visando resguardar a vida do paciente. Quanto mais detalhes o relatório contiver, maiores serão as chances de obter a liminar para realizar o tratamento.
Com todos os documentos em mãos, o próximo passo é contratar um advogado para defender seus interesses. É crucial buscar um profissional especializado na área da saúde, pois são os pequenos detalhes que farão toda a diferença para o sucesso na liminar e na procedência dos pedidos do processo.
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Ferraro Neto Advogados (Escritório especializado em Direito à Saúde)
Por Tyrso Renato Ferraro Neto, advogado inscrito nos quadros da OAB/SP n.º 247.990.
Advogado especialista em Direito à Saúde, atuante em São Paulo/SP.
Advogado há mais de 15 anos no Estado de São Paulo, formado pela Universidade FMU (Faculdades Metropolitas Unidades) e com larga experiência em direito à saúde.
E-mail: contato@ferraroneto.com.br
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